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São muitos os obstáculos que as pessoas que procuram trabalho passam. Não ter conhecimento da vaga é apenas um deles.

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O mito da resiliência e o caminho até o burnout

O mantra de que ser resiliente é aguentar a pressão, encarar o excesso de trabalho e aturar chefes insensíveis traz sérias consequências

Alguns estudos mostram que mesmo as competências adaptativas se tornam inadequadas quando levadas ao extremo. Uma pesquisa feita por Rob Kaiser, presidente da Kaiser Leadership Solutions, que atua na avaliação e no desenvolvimento de líderes, aponta que forças se tornam fraquezas quando submetidas ao extremo. Isso quer dizer que a resiliência tem, sim, seu lado prejudicial.

“Pessoas com esse perfil podem, por exemplo, se tornar altamente persistentes com objetivos inatingíveis, ou tolerantes demais às adversidades”, diz Derek Lusk, Ph.D. em psicologia de negócios e chefe de avaliação executiva da AIIR Consulting, que atua no planejamento de sucessão, transformação de liderança e mudança de cultura. Entre os desfechos comuns está o esgotamento mental e físico. “Começa com resiliência em excesso e termina com burnout, diz Roberto Aylmer, professor na Fundação Dom Cabral, especialista em gestão estratégica de pessoas e diretor da consultoria Aylmer Desenvolvimento Humano.

Sinal vermelho

Derek ressalta que algumas análises científicas mostram que a maioria das pessoas perde muito tempo persistindo em objetivos irreais, um fenômeno chamado síndrome da falsa esperança. Mesmo quando comportamentos passados sugerem claramente que é improvável que as metas sejam atingidas, o excesso de confiança e um grau acima da média de otimismo fazem com que as pessoas desperdicem energia em tarefas inúteis. Isso, levado ao limite, gera problemas de saúde sérios.

Além disso, existe outro ponto: a confusão entre resiliência e subserviência, que é aceitar tudo calado. “Ser resiliente é, também, se posicionar, saber dizer não e negociar projetos”, diz a psicanalista Cláudia Cavallini, consultora e professora da HSM Educação Executiva. Segundo ela, uma pessoa resiliente na dose certa se adapta, mas consegue voltar ao seu estado original, que tem a ver com seus valores, sua personalidade e com as coisas de que não abre mão. “Ela sabe onde se reenergizar e se reequilibrar”, afirma.

Para encontrar a medida certa, a professora reforça a importância do autoconhecimento e a atenção aos sinais do corpo. Se anda estressado ou ansioso demais, com hábitos alimentares ou físicos em excesso (como comer ou fazer exercícios demais) e reagindo de maneira fria ao que acontece, é hora de rever a postura.

Existe uma metáfora que exemplifica bem essa questão. Quando um lutador está no ringue e cai depois de um golpe, a resiliência é o tempo que ele leva para levantar e voltar ao jogo, que é medido na contagem do juíz. “Quando ele volta rapidamente mesmo muito ferido e pede mais, como se não sentisse os golpes, está sendo resiliente demais”, diz. A pessoa resiliente de maneira positiva demora um pouco: sente o impacto, o digere e volta fortalecida.

É preciso prestar atenção, também, no sentido do que está fazendo, como explica Maria Candida Baumer, sócia da People & Results, especializada em carreira e cultura empresarial. Isso porque, quando a resiliência está desconectada do que tem significado para você, ela se torna tóxica. “Seguir no piloto automático — ‘se eu for resiliente chegarei ao outro lado’ — não se sustenta no longo prazo se não há significado”, diz.

Discurso ultrapassado

O grande problema é que muitos líderes confundem produtividade e otimismo desenfreado com resi­liência. Esses ingredientes criam um ambiente de pressão por bons resultados e de produtividade a todo custo, que leva os funcionários a ­assumir riscos desnecessários, como ir ao escritório mesmo estando doente. Claro que a positividade tem benefícios, mas a obsessão pelo otimismo afasta os líderes da realidade de maneira semelhante ao excesso de confiança. “O otimismo é desejável quando alinhado com a verdade”, diz Derek.

Na visão de Anderson Sant’Anna, professor na Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da FGV, hoje em dia há muitos mitos em torno de que precisamos ser bons e felizes o tempo todo — o que se torna uma ditadura da alegria. Uma das consequências é a sensação de que temos de suportar qualquer absurdo com um belo sorriso no rosto, senão não teremos vez. “Isso acaba virando jargões corporativos que mais prejudicam do que contribuem. É impossível ser resiliente o tempo todo.” Segundo ele, o discurso da liderança e da própria companhia acabam, algumas vezes, exagerando no argumento de que é preciso aguentar sempre. “Muitos acham que, por meio de incentivos como ‘você é forte’ ou ‘você dá conta’, podem motivar o profissional. Mas, em determinados momentos, isso surte o efeito contrário”, afirma.

Por trás desse discurso de que é preciso aturar tudo pode existir uma ideia perigosa: a pressão para trabalhar o máximo possível. “A resiliência se torna exploração quando é mal definida dentro de uma organização tóxica”, diz Derek. Esse quadro costuma se instalar em empresas administradas por líderes que promovem uma cultura de alto desempenho às custas das pessoas. “Eles farão o que for preciso para atingir seus números, incluindo maus-tratos e exploração de funcionários”, afirma. Por isso, já passou da hora de muitas empresas repensarem o conceito de resiliência.

“Não se trata de seguir sem pensar, com confiança e otimismo exacerbados para superar desafios, e sim de saber se adaptar da maneira correta, e dentro da capacidade de cada um, a situações de ameaça ou a adversidades”, diz. Se bem usada, a resi­liência é se recompor em momentos de estresse para, de uma maneira humana e equilibrada, buscar objetivos alcançáveis e seguir em frente. Ela não pode ser usada por líderes e pelo mercado como uma desculpa para empurrar os profissionais para o excesso de trabalho e para o abuso psicológico. Resiliência não é saltar para o precipício.

Três em uma

Caroline Marcon, fundadora da Marcon Leadership Consulting

Caroline Marcon, fundadora da Marcon Leadership Consulting (Foto: Celso Doni/VOCÊ S/A)

Sempre é possível fazer mais. Com essa convicção, Caroline Marcon, de 41 anos, fundadora da Marcon Leadership Consulting e sócia da Field Top Teams Consulting, consultorias de desenvolvimento de times executivos, chegou ao limite do estresse e se viu à beira de um burnout. Acostumada a tocar várias atividades simultanea­mente desde a época da faculdade, quando fez dois cursos ao mesmo tempo, no trabalho não foi diferente. Na empresa em que ficou por dez anos, conciliava três funções: consultoria, vendas e gestão de pessoas.

“Dormia pouco, trabalhava demais e sempre aceitava novos desafios. Isso era energizante e me fez crescer na carreira, mas à noite eu estava esgotada.” Segundo Caroline, que sempre trabalhou com a corda bem esticada — na universidade e no trabalho —, isso virou um hábito. “Você não consegue entender quando é hora de parar e vai dizendo sim a tudo, mesmo que acumule atividades.”

Em 2015, ao perder o pai, ela começou a repensar a carreira e notou que havia mais coisas além do trabalho. “Percebi que a resiliência não era resposta para tudo. É importante, claro, mas desde que seja com equilíbrio.” Nessa época recebeu o convite para se tornar sócia da consultoria, mas recusou. Ela já não via mais propósito e significado no que fazia. “Um dos sinais de que a resiliên­cia passou do limite é quando você não consegue mais ter discernimento para saber se as metas são realistas ou não, e vai abrindo mão de outras coisas. Para mim, isso custou os primeiros anos da infância do meu filho.”

Primeiro o trabalho?

Vilson Schvartzaman, 43 anos, presidente da Profarma Specialty, distribuidora de produtos farmacêuticos.

Vilson Schvartzaman, 43 anos, presidente da Profarma Specialty, distribuidora de produtos farmacêuticos. (Foto: Celso Doni/VOCÊ S/A)

Em 2016, Vilson Schvartzman, de 43 anos, presidente da Profarma Specialty, distribuidora de produtos farmacêuticos, recebeu duas notícias significativas em sua vida: que precisava operar uma lesão na coluna e, quase ao mesmo tempo, que seria promovido à presidência da empresa. Para se consolidar na posição, decidiu adiar a cirurgia por dois anos.

“Havia chegado aonde sempre almejei e não queria deixar minha vida profissional de lado. Mas, para fazer isso sem prejudicar minha saúde, algumas mudanças na rotina foram necessárias.” Por orientação médica, passou a realizar uma série de exercícios, inclusive durante o período de trabalho. “Tinha o apoio de meu médico, e a dor com a qual convivia não me impedia de exercer minhas atividades.”

Depois de dois anos e com a empresa caminhando bem, Vilson resolveu que era hora de realizar a cirurgia. Ficou um mês em reabilitação e assim que pôde voltou à rotina e ao ritmo anteriores — sempre buscando fazer mais e se adaptar às situações para ter sucesso. Até que um incidente o fez repensar sua postura.

“Em fevereiro deste ano sofri um infarto.” Foi quando percebeu que precisava encontrar o equilíbrio da resiliência e ter mais qualidade de vida. “Muitas pessoas têm a ideia equivocada de que para mudar de vida é preciso abandonar sua posição atual e iniciar uma nova carreira, que talvez exija menos responsabilidades. Mas é possível encontrar o equilíbrio.”

Confiança demais

Luiz Terra, gerente de serviços ao cliente para parcerias da Altitude Software.

Luiz Terra, gerente de serviços ao cliente para parcerias da Altitude Software. (Foto: Celso Doni/VOCÊ S/A)

Formado em ciência da computação e ex-militar, Luiz Terra, de 43 anos, gerente de sucesso do cliente com foco em parcerias da Altitude Software­, empresa de tecnologia focada em contact centers, via sua resiliência como algo positivo. Mas em 2011, quando decidiu deixar a vida corporativa para empreender, isso começou a mudar.

Com o próprio negócio indo bem, ele resolveu expandir e abrir um contact center em parceria com uma operadora que estava entrando no mercado brasileiro. Com a promessa de crescimento rápido e lucrativo, ele apostou todas as fichas no empreendimento, mas em menos de três meses a tal empresa resolveu não seguir com o projeto. “Como estava no auge de minha resiliência, tinha confiança de que, se me adaptasse, poderia resolver o problema. Pensava que daria um jeito de o negócio virar, mesmo com toda a equipe falando que eu não deveria seguir.” Foram três meses tentando, mas a operação não se sustentou.

“Minha resiliência e adaptabilidade atrapalharam minhas decisões e ações, que deveriam ter sido tomadas de forma mais firme.” Isso gerou um grande estresse, e Luiz teve uma úlcera. No início deste ano recebeu um convite para voltar à sua antiga empregadora, a Altitude, e hoje tenta ser mais equilibrado. “A resiliência é importante, mas o excesso leva ao conformismo e ao desgaste físico e emocional. Na hora você não vê, mas em algum momento o corpo manda a fatura.”

Quando o copo transborda

Resiliência sempre esteve presente na vida profissional de André Salomão, de 44 anos, sócio da Pulsar, assessoria de investimentos. Por trabalhar no mercado de private equity durante os últimos 19 anos, pensar a longo prazo e se adaptar às mudanças e crises no Brasil e no mundo era algo comum para ele. “Sempre precisei me adequar ao presente, mas com o olhar no longo prazo. Isso exige absorver os acontecimentos, mas sem se abater.” Segundo ele, mesmo com o mundo “caindo”, a adaptabilidade estava por perto.

Em 2008, ano de uma grande crise financeira global, a empresa em que André trabalhava havia acabado de levantar um fundo de milhões de dólares a serem investidos no Brasil e já havia realizado um investimento. Os bancos americanos começaram a quebrar e muitos dos investidores desistiram, o que poderia levar ao fim das operações do fundo. Mas André optou por ter resiliência. Assim, em conjunto com outros executivos, ele pensou em alternativas para a manutenção da equipe, que já atuava junta há bastante tempo, e ponderou os riscos e oportunidades que cada cenário oferecia.

“Foram longas discussões, mas sempre acreditando que tudo passaria.” E o potinho da resiliência de André foi enchendo com outras experiências. Até que ele se viu à beira de um burnout, com ansiedade e estresse acima da média e noites sem dormir. Recorreu à terapia e entendeu que seu coração estava desconectado de sua razão. Faltava o tal significado. “Deixar a sociedade em que estava naquela época foi muito difícil. Fiquei mais de um ano batalhando com os ‘monstros’ dentro de minha cabeça.” No final de 2019 ele saiu da empresa e, em janeiro deste ano, virou sócio da Pulsar. “Hoje consigo equilibrar bem a resiliência, pois sei que muita coisa não está sob meu controle.”

Nem mais, nem menos

Em entrevista para VOCÊ S/A, Paula Davis-Laack, especialista em estresse e resiliência e fundadora do Stress & Resilience Institute, mostra como encontrar a medida certa:

Qual é o lado bom da resiliência?
Há vários benefícios em ser resiliente. Ajuda no desenvolvimento de competências como autoconsciência, pensamento flexível, conexão, percepção de estresse e significado. Isso se reflete em mais produtividade e satisfação no trabalho. Mas é preciso encontrar o equilíbrio.

O abuso pode, então, ser prejudicial?
A resiliência é uma construção multidimensional, o que significa que pode ser desenvolvida de várias maneiras. Um fator determinante é o otimismo, quando a pessoa vê um futuro positivo e explica as causas de eventos negativos de maneira temporária e específica. Mas, se você for muito otimista, isso pode levar a maus resultados. Por exemplo, se estou prestes a voar para algum lugar e o tempo está ruim, não quero que os pilotos sejam excessivamente otimistas; quero que tendam ao pessimismo e à cautela. Em vez de pensar se o excesso pode ser prejudicial, eu faria uma pergunta diferente: “Enfrentar muitas adversidades é prejudicial?”. E para isso a resposta é sim.

Por quê?
Segundo o cientista Richard Davidson, da Universidade de Winsconsin-Madison, se você for rápido demais para se recuperar de uma adversidade ou estresse, poderá perder a oportunidade de sentir e processar as próprias emoções. Isso quer dizer que, se você é extremamente resiliente, outras pessoas podem considerá-lo indiferente ou incapaz de estar emocionalmente presente. Além disso, se desconsideramos rápido demais as adversidades de outras pessoas — como quando um subordinado fala a um líder que está com um problema e ele rapidamente deixa aquilo de lado —, a atitude pode soar como falta de empatia.

Acredita que o discurso “seja resiliente” venha sendo usado pelas lideranças para fazer com que a equipe trabalhe demais e não preste atenção nos próprios limites?
Os líderes precisam ter muito cuidado com isso. Toda vez que falo sobre o assunto, lembro de discutir os mitos que existem sobre a resiliência. É um mito pensar que se trata de avançar continuamente, assim como é um mito pensar que é algo relacionado ao caráter ou à resistência de alguém e usá-la para dar mais trabalho à equipe. Os líderes que falam sobre resiliência dessa maneira desviam as pessoas do conceito correto e podem fazer muito mal à equipe. Se você acha que resiliência é ser invencível e invulnerável está errado. Ser resiliente não é tolerar tudo.

Como achar o equilíbrio?
É importante ter em mente que a resiliência diz respeito a como você responde e cresce diante de uma adversidade ou desafio. Algumas perguntas podem ajudar: “Tenho influência e algum controle sobre a situação?”; “Quais são os aspectos positivos dessa adversidade que posso aproveitar?”; “Qual é a desvantagem dessa adversidade que preciso controlar?”; “Qual é o meu plano de ação?”.

FONTE: https://vocesa.abril.com.br/carreira/o-mito-da-resiliencia-e-o-caminho-ate-o-burnout/


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